A cozinheira

Li este texto no Facebook e trouxe até a imagem de lá mesmo, da página do autor, que está abaixo. Um texto ótimo e que vale ser lido e apreciado. (O título eu que coloquei).
Tive uma cozinheira evangélica certa vez, que adorava fazer carnes assadas e outros quitutes engordurados. Eu era um dentista novo na cidade e ela se apresentou no mesmo dia que cheguei. Apenas pedi que não falasse muito de religião, que não me agradava discutir sobre essas coisas. Ela concordou.
De início, para me agradar, mostrou seus dotes de cozinheira, explicando-me, nos almoços, como fazia assim e assado para a pele ficar pururuca. E aguardava, de pé, que a elogiasse. Até que chegaram os primeiros fins de semana. Que era quando eu saía para visitar as redondezas, entrincheirar-me nas matas e recolher plantas comestíveis que gostaria de conhecer o sabor. Eu levava um guia de plantas no bolso. E quando me deparava com uma que me parecesse conhecida e, certificando-me no livro do que se tratava, recolhia para usar no almoço, ou na janta.
Dessa forma, cada dia eu pegava plantas naturais, como carquejas, beldroegas, mentruz, ora-pro-nóbis e serralhas e entregava para a cozinheira. Ela olhava espantada, parecia não acreditar, e costuma dizer: - Jesus seja louvado! O senhor é um coelho!
Ela não aprovava, de jeito nenhum, achava mesmo um absurdo. Deus nos deu tantas carnes gostosas, tantas comidas saborosas e alguém gostar de almeirão...tinha algo errado ali.
E fui dando preferências às frutas, aos legumes, às verduras: na verdade, trazia pouca carne para casa. Às vezes um peixe, ou um frango, e a geladeira fracassou nas carnes vermelhas.
No fim do mês entrei na cozinha com uma braçada de dente-de-leão, com flores amarelas, e pedi que me fizesse uma salada, acrescentando folhas e flores de capuchinha, e trevos. A mulher afastou-se para a varanda e por lá ficou. Estranhei sua demora, fui ver o acontecido. Ela chorava baixinho. Preocupado, indaguei o que acontecera, e ela respondeu-me que gostava muito de trabalhar comigo, mas que não poderia ficar, que iria embora, porque estava se sentindo fraca e mal alimentada, que ela precisava de carne de vaca ou de porco todos os dias. Não houve jeito de convencê-la. Pois eu feria os preceitos religiosos dela, comendo coisas imundas. Dente-de-leão era demais! Aquilo não era comida de cristão! Trevo! Onde já se viu! O senhor deve ser doido!
Foi-se embora naquele dia, ainda me lembro de seu coque no alto da cabeça, sob o sol do meio-dia. Olhei a braçada de dente-de-leão esquecida sobre a mesa. Olhei o coque se afastando. Dei uma mordida na flor amarela e achei mesmo um pouco amarga, mas o azedinho do trevo combinou bem. Não sei a moral dessa história, só sei que até hoje cato beldroegas e faço um refogados. E taioba é o meu prato preferido. Difícil achar cozinheiras.


(Abaixo, os endereços de Facebook e de blog do autor, José Antônio Abreu de Oliveira)

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10151792510088067&set=a.68891603066.79021.720883066&type=1&theater 
José Antônio Abreu de Oliveira
http://www.releituras.com/ne_jaoliveira_promessa.asp

6 comentários:

Beth/Lilás disse...

Lúcia, pois acontece isso mesmo, muitas pessoas que trabalham em casa de família, não comem, por hábito ou desconhecimento, legumes ou verduras. Querem só carnes ou massas, no entanto, minha faxineira é especial, adora comida leve, saladas e legumes, além de arroz integral. Então, no dia em que ela vai, comemos juntas uma comidinha natureba, não é legal?
um beijo carioca da serra.


chica disse...

Que texto lindo garimpaste,Lúcia! Há pessoas que estranham itens da alimentação talvez até por não saber prepará-los! bjs, tudo de bom,chica

Trilhamarupiara disse...

Oiii Lucia, Interessante e intrigante a história, ele não sabe a moral da mesma, mas vamos pensar, ela evangélica não conseguia viver sem a carne, ele um desbravador de sabores vindos da natureza que preferia não falar de religião, natureza esta criada por Deus um ciclo que se fecha, tbém não sei a moral da história mas dá uma boa peça de teatro rsrs Bjossss

Renata Boechat disse...

Oi Lúcia, você fez bem em lembrar do seu endereço novo,
Vou gostar de estar por aqui,
E já comecei bem, adorei a crônica, me fez pensar em como somos mesmo seres distintos até na preferência pelo alimento, e estou pra te dizer: acho que essa cozinheira ia se dar mal comigo também, pois, apesar de não estar ainda trocando qualquer coisa por taioba, as carnes em geral estão bem sumidas da minha cozinha, viu?

Abraço pra você,
Até a próxima!

Roselia Bezerra disse...

Olá,querida Lúcia
Eu gosto muito de taioba também... aliás, folhas, todas... rs...
Mas gosto muito de carnes de todo tipo igualmente...
Como pouco e de vez em quando, entretanto...
Bjm fraterno e quaresmal

Eli Pechim disse...

hahahahaha... Que texto gostoso de ler! Ri muito. Eu amo taioba!!! Depois de couve é minha verdura predileta. Mas também não dispenso uma carninha, principalmente se for de boi ou de porco. Aquelas que os vegetarianos ficam horrorizados que eu coma. E goste. rs... Mas não preciso de carne todo dia e não comemos diariamente aqui em casa. Mas verduras e legumes rolam todo dia, adoramos. Beijo, boa semana!