Você é preconceituoso/a?

(Este assunto se deu há uns meses, mas só agora lembrei-me de postá-lo. Sempre pertinente, porque preconceito nunca sai "da moda").

O maior preconceituoso é aquele que é alvo do preconceito.
Assim, negros são preconceituosos, gays são preconceituosos, gordos são preconceituosos, deficientes são preconceituosos, etc.
Em vez de levar o foco para a sua capacidade, como um todo, se escondem muitas vezes atrás do preconceito, para se sentir um coitadinho.
Numa postagem no FB, da amiga Luciana, brasileira que mora na Noruega, o preconceito racial foi abordado tendo como alvo a denúncia sobre uma poesia que fala de bonecas. 
Sem nem citar se uma delas seria negra, a pessoa se baseou só nas palavras que mostravam que a boneca bonitinha e bem cuidada era loira, de olhos azuis e vestido bonito. Claro que a "denúncia" mostrou só parte da poesia, sem nome, sem autoria. Fui atrás dos fatos. 
O "denunciante" é um vereador baiano, negro, que certamente tem pouca coisa para cuidar, dos problemas da cidade, e se envolve em polêmica sem sentido. (Aqui).

" A bonita se chama Teresa.
Tem grandes olhos AZULADOS
Usa vestido de seda clarinho
Com botões dourados.
A feia não tem nome,
Nem mesmo apelido.
O vestido que usa é velho,
Rasgado e encardido.

A bonita tem cabelo LOIRO
Todo ele trançado
(...)

A feia tem pouco cabelo
De tanto que já foi puxado
(...)".


A reportagem, no FB, mostrava esta parte acima, ou seja, não a poesia completa. Que encontrei e é esta:

AS BONECAS DE FERNANDA

Fernanda tem duas bonecas
Uma é linda de se ver,
A outra coitadinha,
É feinha de doer.

A bonita se chama Teresa.
Tem grandes olhos azulados,
Usa vestido de seda clarinho
Com botõezinhos dourados.

A feia não tem nome,
Nem mesmo um apelido,
O vestido que usa é velho,
Rasgado e encardido. [...]

Mas na hora de brincar,
Veja só o que acontece:
A Fernanda pega a feia
E da bonita se esquece.

Alexandre Azevedo  


E, para surpresa minha, pesquisando sobre o autor, encontro que ele é mineiro, atualmente morando em Ribeirão Preto, casado, pai de 3 filhos, autor de inúmeros livros infantis. (Aqui). 
Depois de saber disso, procurar pela poesia toda, respondi à Luciana:
"A poesia é sobre as duas bonecas da menina Fernanda. E uma poesia, por acaso falando de boneca loira e de olhos azuis (a maioria delas, no mundo todo, é assim!) A boneca "feia", nem foi citada a cor, dos cabelos, nem dos olhos. Quem disse que era negra? Ai, tá difícil isso, né? Acho que eu aproveitaria para perguntar às crianças o que acharam da poesia, porque uma boneca era bem tratada e a outra não? O que significa isso, entre nós, os homens? Como acabar com essa situação? Uma bonequinha loira e de olhos azuis é diferente em quê, da bonequinha preta, de cabelos cacheados e olhos pretos? Tanta coisa pra se discutir, não é só ver o lado do preconceito, simplesmente, mas o que, exatamente o autor pretendeu, com essa linguagem. Criança não discrimina, quem discrimina é o adulto e passa para ela, infelizmente."

E olha que a poesia nem fala se a outra boneca é negra! 
E veio conversar conosco uma moça que mora na Noruega, é baiana, talvez tenha vivido muito o preconceito que nós, brasileiros, temos muito maior do que em outros países:

]Susana Ribeiro B. Freitas] Lúcia, concordo 100% contigo. Você está certíssima ao discorrer sobre essa poesia. O que não afasta, infelizmente, a realidade dura e cruel que os soteropolitanos vivenciam: o racismo velado. Isto, infelizmente, é muito comum por lá. O que, provavelmente, provocou a reação de quem escreveu o post, cansado de assistir isso a toda hora, acabou não discernindo de "olhos limpos", como você o fez."

E tivemos uma boa conversa, que vc pode acompanhar aqui, se quiser. 

E aí, convidei a Luciana a escrever sobre o assunto, e ela me "passou a bola".
Falar de preconceito, principalmente o racial, é desgastante.
Aqui, encontrei o direito de resposta do autor.
Vale muito a leitura. http://www.portallformosa.com/news/direito-de-resposta%3A-alexandre-azevedo,-autor-da-obra-%22as-bonecas-de-fernanda%22-fala-sobre-acusa%C3%A7%C3%B5es-de-racismo/

(Seria bom que vocês lessem os links que passei, principalmente a resposta do autor. Imagina o quanto a repercussão dessa ação do moço baiano pode afetar até a vida do autor. Uma declaração completamente sem sentido, onde ele viu pelo em ovo, já que a poesia não fala em cor das bonecas.)

13 comentários:

Bia Jubiart disse...

Oi Lúcia!
Com certeza sou preconceituosa! Já nascemos com a "cama pronta", culturalmente cheia de paradigmas, conceitos culturalmente formados, é passado p/ nós. Um exemplo simples: Se alguém sujo, mal vestido, bate na sua porta vc fica com medo de abrir, na sua cabeça passa trocentas coisas que aquela pessoa possa ser... Já um engravatado, todo na estica a gente abre a porta e recebe bem (este as vezes é até extelionatário...).
Essa da poesia foi de matar! Desconhecia a polêmica. Concordo plenamente com a sua fala.

Um excelente domingo p/ vc e família!

Bjooooo

chica disse...

Adorei a poesia, não a conhecia, muito menos a discussão sobre ela.
Mesmo que sejam velados, um pouco de preconceito sempre existe. Lembro agora,. lendo a Bia acima, que ao iniciar com o escritório de advocacia, quando logo no começo apareceu um cliente todo arrumado, pensei que teria uma boa causa pela frente. O resultado? Ele me assaltou!!! rs Pode? E é assim! Foi legal te ler! beijos,chica

Roselia Bezerra disse...

Olá, querida Lúcia
Gostei muito do post e não conhecia a poesia...
Foi bom o preconceito da pessoa para ressaltar a bela poesia... rs...
Também percebo que as pessoas diferentes de nós em alguns aspectos, são as preconceituosas , muitas vezes...
Como tenho uma prima que foi sempre a melhor amiga e é preta... para mim, o tom da pele é de relevância...
Creio que os disfarces para se fugir da realidade são inúmeros e todos temos algo para 'atirar na cara do outro' para encobrir os nossas próprias sombras...
Bjm de paz e bem

Meri Pellens disse...

No final a menina fica sempre com a feia, onde está o preconceito se prefere a boneca feia? Ora eu que me senti ofendida, pois, sendo "loira" de olhos azuis, fiquei para trás kkkkkkkkkk...
Beijinho...

Bombom disse...

Também não conhecia esta poesia nem a celeuma que ela causou. (Ainda não fui ler o direito de resposta do autor).O que me parece é que além do preconceito, há um grande complexo de inferioridade nos grupos de que falas. Mesmo quando ninguém os ataca, eles já estão "à defesa" e acusam os outros de preconceito ou de racismo. Para quem escreve (neste caso da poesia), sente-se acusado injustamente e deve sentir-se muito desanimado. Como diz Orvalho do Céu, muita gente "usa disfarces para encobrir as suas próprias sombras". Quanto ao poema, achei-o muito profundo na sua simplicidade: de tanto gostar da boneca e brincar com ela, ela ficou feia e velha, mas a menina continuou a vê-la como no início, linda e nova. Nós somos assim também, continuamos a amar os nossos entes queridos, mesmo que fiquem velhos, surdos (como eu), cegos ou coxos! Obrigada por esta reflexão que nos fez pensar. Bjs. Bombom

ML disse...

Como você "falou e disse", Lucia, o problema está nos que se sentem "vítimas", "coitadinhos", etc.
E me lembrei do "problema" das cotas raciais, por exemplo. Ao invés de buscarem por igualdade de fato - estudo bom quase todos - preferem aplaudir esse absurdo hipócrita e eleitoreiro: depois da entrada na faculdade compulsória, será que querem tb ter um emprego compulsório? Se não for na obrigação, que empresário vai contratar um beneficiário de cotas?

bjnhs

Marli Soares Borges disse...

Olha Lucia, já enchi meu saco desses politicamente corretos. E acompanhei essa história das bonecas, só pra ver a cor da insensatez. E fiquei estarrecida. Hoje em dia tudo virou racismo, ora tenha dó!!! Bjs Marli

Beth/Lilás disse...

Boa noite, Lúcia!
Coitado do autor, deve ter sido difícil lidar com estes falatórios pela rede, pois muita gente pega o bonde andando, não lê o que se postou antes, e sai dando palpites e chamando o outro de racista. Tô que nem a Marli, de saco cheio desse povo
politicamente correto e que faz confusão só pra chamar a atenção.
um beijo carioca


Marly disse...

Oi, Lúcia, bom dia!

Preconceito é coisa que dói e já desgraçou a vida de muita gente, e talvez por isso provoque reações tão inflamadas. Quando penso em preconceito racial me vêm à mente a imagem da mãe de um escritor que admiro, fervendo a louça usada por uma negra, que a usou. Também me lembro de coisas presenciadas pessoalmente e cenas de dezenas de filmes sobre o racismo (exemplo: Mississippi em Chamas, Uma História Americana, Histórias Cruzadas, etc. Se você não viu algum destes filmes, procure ver, são ótimos).
Mas nada disso justifica os julgamentos precipitados nem as acusações infundadas, que têm se alastrado pela web. Nisso eu estou com o ator Morgan Freeman, que disse:
"Quer acabar com o racismo? Pare de falar sobre ele!", rsrs.

Um beijo e bom dia!

Adelina disse...

Adorei seu texto, Lúcia! Penso exatamente assim. E adorei a resposta do autor do livro também. :)

Teredecorando disse...

Olá Lúcia,
Infelizmente, em algumas situações o preconceito está presente.
Não conhecia a poesia.
Beijos mil

Clara Lúcia disse...

Lúcia, o preconceito existe e sempre existirá. Faz parte do ser humano.
Na poesia, o que eu entendi foi que a boneca Teresa é nova e a outra boneca, a feinha, é brincada faz tempo. Talvez não tenha os cabelos loiros por estarem sujos, por não terem os olhos azuis por conta da canetinha pintada neles, pra mudar a cor. Quem nunca pintou a boneca com canetinha?
Agora tá tudo assim, não se pode falar nada que é preconceito, mas o maior preconceituoso é quem se ofende "de graça" por algo que não tem nada a ver. Ofendeu em quê? E se a boneca fosse realmente negra? E daí? Estava escrito o nome do homem na boneca? É isso que é chato.
Eles têm todo o direito de se defenderem, mas sem exageros. Eu não escravizei e nem vendi escravo nenhum! E não faço piadinhas de racismo nem nada, e agora não posso nem mencionar "o cidadão de cor preta" que posso ser processada por isso. Mas não é essa a cor da pessoa?
E quando é um loiro e todos o chamam de branquelo, de alemão? É preconceito? E qdo tem japonês? Não pode chamá-lo de japa? Tudo isso é ofender? É racismo?
Tenho amigos negros que chamo-os de negão mesmo, sem o menor problema.
Acho que cabe processo quando ofende a pessoa e não a sua cor.
E cabe a cada um se respeitar em primeiro lugar, tanto branco, quanto pardo, japonês, preto...

Beijos, Lúcia!

Clara Lúcia disse...

Fui lá ler a resposta do autor e é justamente como pensei. A boneca feinha é mais querida porque a criança já criou um vínculo com ela de tanto que já brincou. Só isso! Mas aposto que ela acha-a linda!